Compensa ir de Portugal até Espanha para atestar o depósito?

Com o aumento dos combustíveis em Portugal devido ao aumento da fiscalidade sobre os produtos petrolíferos, coloca-se a questão pertinente de saber até que ponto compensará ir até Espanha para atestar o depósito do veículo. A fórmula geral para a poupança é a seguinte:


É intuitivo apercebermo-nos que quanto mais longe o condutor do veículo estará da fronteira, menos compensará a referida viagem. Assim, a primeira parte da parcela Tqx(Pcp-PcE) faz referência ao ganho pelo facto de haver um diferencial entre os preços dos dois lados da fronteira e a segunda parcela com sinal negativo faz referência ao custo da operação de ir até à fronteira atestar o depósito e posteriormente regressar até ao local de partida.

Ou seja, é necessário fazer a viagem de ida-e-volta, e multiplicá-la pelo consumo do veículo, dividindo posteriormente por 100 para sabermos quantos litros de combustível são necessários para fazer a referida viagem de ida-e-volta até ao posto de abastecimento espanhol. Posteriormente será necessário multiplicar o referido valor pelo preço do combustível em Espanha, pois parte-se do pressuposto que o condutor já partiria de Portugal com o veículo fazendo uso de combustível espanhol. Parte-se ainda do princípio que o veículo chega com o tanque vazio ao posto espanhol e que os custos por km percorrido se resumem ao combustível.

Apresenta-se de seguida o gráfico que relaciona a poupança com a distância até à fronteira para algumas condições comuns do grande público e dos preços correntes dos combustíveis à data de março de 2016.


Entender os escalões do IRS e do IRPF

Todos temos bem presente, infelizmente, que em Portugal e no Brasil, a Matemática desde Pedro Nunes, nunca mais recebeu o esplendor de outros áureos tempos. Tal patente iliteracia numérica de uma larga maioria da população, aliada à disseminação da democracia popular e por vezes circense, tem como consequência a pobreza, a corrupção, os baixos salários e uma economia pouco pujante. Mas se é um facto que o povo é por norma matematicamente iletrado, mais grave ainda, é atestar, que alguma classe política supostamente douta e academicamente letrada, envereda por sofismas matemáticos e ideológicos, apenas para obter dividendos políticos.

Um dos grandes sofismas do debate político, é de natureza fiscal, e dá pelo nome de escalões do IRS, ou escalões do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física, no Brasil). Analise-mo-lo!

Três teoremas

Começarei por estabelecer três pequenos teoremas, os quais demonstrarei posteriormente.
  1. O IRS é sempre progressivo independentemente do número de escalões.
  2. O IRS é sempre progressivo em percentagem para um número de escalões superior a dois.
  3. Um maior número de escalões não implica maior progressividade fiscal.
Teorema número 1

Podemos afirmar, que caso houvesse apenas um escalão de IRS, ou seja, uma percentagem fixa que cada um pagava de imposto dos seus rendimentos, que mesmo nesse caso, poderíamos dizer que o imposto era progressivo à luz da norma constitucional, mais precisamente o n.º 1 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa que refere que "o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar". Caso o IRS fosse então, por exemplo 10% para todos os contribuintes, ou seja uma taxa fixa para qualquer rendimento, já era, de facto, progressivo, pois alguém que ganhasse 1000€ por mês pagaria 100€ e alguém que ganhasse 10000€ pagaria 1000€. Neste caso mais simples, estamos perante uma operação linear, ou seja, uma reta diagonal que passa pela origem, num gráfico onde o eixo horizontal poderia ser o rendimento coletável, e o eixo vertical o valor que era de facto pago pelo contribuinte.

Valor de imposto realmente pago para taxa fixa de 10%.
O pagamento real já é progressivo em função dos rendimentos.

Demonstrámos assim que para um número de escalões igual a 1, ou seja, uma taxa fixa, o IRS já seria progressivo. Este princípio fiscal remonta à época bíblica, com a instituição do denominado dízimo, onde cada membro deveria pagar 10% dos seus rendimentos, tendo-se assim já em conta a capacidade contributiva do contribuinte. Alguns países, como a Rússia, aplicam este modelo fiscal, ou seja, aplicam apenas uma taxa fixa para todos os rendimentos, sendo como explanámos, a taxação já enquanto tal, progressiva.

Teorema número 2

Consideremos mesmo assim a progressividade, não do ponto de vista nominal, ou seja, aquilo que cada contribuinte realmente paga, mas do ponto de vista percentual, ou seja, a percentagem real do seu rendimento, que o contribuinte realmente paga de imposto. E demonstra-se que com dois escalões, o IRS, mesmo percentualmente, já é progressivo. Caso demonstremos que para dois escalões o IRS é progressivo, deduz-se facilmente por inferência, que o IRS também é progressivo, para qualquer número de escalões maior que dois.

Imaginemos então que existem dois escalões de IRS, um de 10% até 1000€ por mês (uso o período mensal por questões de simplicidade), e outro de 20% a partir de 1000€ por mês. Alguém por exemplo que ganhasse 1500€ pagaria 10% pelos primeiros 1000€ e 20% pelos 500€ adicionais, ou seja, pagaria 200€:


Na realidade, este contribuinte teve uma taxa real de 200€/1500€, ou seja de 13,3%. Podemos ainda estabelecer a equação geral, referindo que o valor pago de IRS a aplicar nesta combinação de escalões é:


Onde r é o rendimento coletável do contribuinte e v(r) é o valor em dinheiro que o contribuinte paga de imposto. Até 1000€ o contribuinte paga sempre apenas 10% do seu rendimento. A partir de 1000€, o contribuinte paga sempre pelo menos 100€ fixos, que é os 10% de 1000€, acrescidos de 20% do valor restante, ou seja, 20% do valor que acresce aos 1000€. Neste caso temos o seguinte gráfico:

Valor realmente pago. Dois escalões.
O primeiro escalão até 1000€ de 10%,
O segundo escalão a partir de 1000€ de 20%

Se quisermos todavia fazer o cálculo da percentagem real que o contribuinte paga, teremos de dividir o valor total de imposto pago, pelo valor do rendimento coletável, ou seja, a fórmula anterior fica a seguinte:


onde p(r) é o valor real em percentagem de IRS realmente pago. No exemplo em apreço, ficamos com o seguinte gráfico:

Valor percentual realmente pago. 10% até 1000€. O segundo escalão é de 20%,
mas aplica-se os 20% apenas sobre a parcela do salário, que supera os 1000€.

Façamos outro caso extremo com dois escalões, ou seja, apesar do uso de dois escalões, um sistema altamente progressivo. O primeiro escalão até 500€ com uma taxa de 5%, e um segundo escalão 30% a partir desse valor.

Valor percentual realmente pago. 5% até 500€. O segundo escalão é de 30%,
mas aplica-se os 30% apenas sobre a parcela do salário, que supera os 500€.

Neste caso, apesar de termos apenas dois escalões, verifica-se que o valor pago de imposto, mesmo analisando-o apenas do ponto de vista percentual, é realmente bastante progressivo.

Teorema número 3

A forma mais fácil para demonstrar o Teorema 3, visto que é um teorema que está postulado na negativa, é demonstrar um caso onde um maior número de escalões comporte menor progressividade fiscal. Regressemos ao gráfico anterior, onde se apresentou um caso com dois escalões, o primeiro até 500€ e de 5% e o segundo de 30% para valores superiores a 500€. O resultado do valor percentual realmente pago, apresentou-se nesse gráfico. Se porventura apresentarmos um gráfico com um número de escalões superior onde se verifique menor progressividade fiscal, o teorema ficaria automaticamente demonstrado, visto que o mesmo está postulado na negativa.

Imaginemos então um exemplo com três escalões, o primeiro escalão até 500€ com uma taxa de 5%, um segundo escalão de 7% entre 500€ e 1500€, e um terceiro escalão de 10% a partir de 1500€. Neste caso, com um maior número de escalões, ou seja, três em vez de dois, a progressividade do imposto seria bem menor, como pode ser observado no seguinte gráfico:

Sistema com três escalões. 1.º de 5% até 500€.
2.º de 7% entre 500€ e 1500€ e 3.º de 10% a partir de 1500€.
A progressividade é mais baixa que no caso anterior com dois escalões.

Conclusão

Engane-se o eleitor que considere que os políticos são socialmente mais justos por aumentarem o número de escalões do IRS ou do imposto de Renda. Mais importante que o número de escalões, para a progressividade fiscal, é a sua estrutura e configuração. Em acréscimo, parece-me que essa dialética sofista tem sido usada, para aumentando o número de escalões e por conseguinte ludibriar o eleitorado sobre a justeza deste tipo de ações, de facto, aumentar-se na globalidade este imposto, mexendo nas taxas.

Reparemos na real taxa de IRS paga em Portugal nos anos de 2012 e 2013, num gráfico que produzi e partilhei na Wikimédia. Independentemente do número de escalões, que diminuíram em 2013 em relação a 2012, como pode ser visto pelo inferior número de troços, o mais importante é o valor percentual dos mesmos. 2013 foi o ano em que o ministro das finanças de então Vitor Gaspar, em clima de austeridade, referiu que haveria um "enorme aumento de impostos". 



Faço por conseguinte um apelo à classe política para que não altere o número de escalões do IRS, pois aumenta a entropia e a confusão junto do eleitorado, e caso queira obter mais ou menos receita fiscal, que se limite a alterar o valor das taxas, assim como os seus limites. Qualquer argumentário que se preze por ser socialmente mais justo apenas com o aumento do número de escalões, ou economicamente mais liberal apenas com a sua redução, é um argumentário extremamente redutor e na maioria dos casos, demagógico.