Sobre a circularidade da vida

   Ferécides e o seu aluno passeavam desde o meio-dia, conversando sobre temas muito diversos, quando decidiram deter-se para se consolarem e contemplarem melhor a paisagem, recostando-se sobre a erva de um prado numa pequena colina.

... Mantiveram-se em silêncio até o Sol percorrer boa parte do trajecto necessário para consumar a tarde. O rebanho de ovelhas tinha-se aproximado deles. Ferécides, olhando de soslaio para o seu aluno, perguntou-lhe então:
   - Observaste como as ovelhas, vendo-se dispersas, começam a girar em torno do pastor? Este rebanho que temos diante de nós deslocou-se por várias ocasiões. De cada vez que o pastor se sentava num lugar diferente, pouco a pouco, as ovelhas iam criando um círculo novo em seu redor.
   - E que tem isso de particular?
   - É uma demonstração de que a natureza se desenvolve formando círculos.
   - Explica-me isso, mestre, para que possa submeter à minha reflexão.
   Ferécides inclinou-se de novo sobre o prado e, contemplando o infinito, começou a dissertar, lentamente, dando uma entoação poética às suas palavras enquanto se recreava com a sua própria escuta.
   - Tanto o cosmos como a natureza avançam em círculos, ou seja, dando passos que regressam ao mesmo lugar. O final assemelha-se ao início, até se confundem, do mesmo modo que é impossível dizer em que ponto começa e onde termina um círculo. Observa, por exemplo, como os homens, chegados a uma certa idade longeva, se tornam semelhantes às crianças tanto nos seus gostos como no seu comportamento, no seu desamparo e na sua despreocupação pelas coisas do mundo. De um modo inverso, os recém-nascidos assemelham-se a pequenos velhos calvos, enrugados, ausentes do mundo, com a consciência completamente dirigida para o seu interior.
   Observa também de que maneira quem se sente à beira da morte procura regressar, movido por um impulso imperioso, ao sítio onde nasceu.
   Olha como se repetem ao estações: nora que gira ininterruptamente através das idades e que permite à árvore despojar-se das suas folhas para se vestir de novo com elas na Primavera. Contempla a água que desce das montanhas, formando rios até chegar ao mar. Aí, as névoas densas, elevando-se, terminam transformando-se em nuvens; ao viajarem impulsionadas pelo vento, uma vez nas montanhas, descarregam a sua água em forma de neve que, finalmente, depois do Inverno, se derrete dando forma a caudalosos rios que descem até ao oceano, cumprindo assim um rito infatigável.

   Pitágoras interrompeu o discurso do seu mestre.
   - Tudo o que dizes parece-me muito certo, mas, na realidade, não estamos a falar de um círculo.
   - Como assim...? - inquiriu Ferécides, saindo do êxtase que produziam em si as suas próprias palavras.
   Pitágoras insistiu no seu ponto de vista.
   - Não, porque certamente a Primavera regressa depois de cada Inverno, mas não é a mesma Primavera. Para que fosse um círculo deveria ser um retorno ao mesmo lugar e ao mesmo tempo.
   - Vês, Pitágoras, como não sabes interpretar correctamente uma metáfora? De acordo; se falarmos com absoluta precisão, a natureza não descreve um círculo, mas antes uma espiral. Mas por acaso a espiral não é circular? Por favor, meu filho, tem flexibilidade com as imagens metafóricas.
   Pitágoras, como bom discípulo, permaneceu pensativo tentando corrigir o seu erro, o que permitiu a Ferécides embarcar novamente no seu discurso.
   - Os fenómenos próprios da natureza descrevem círculos, mas também os fenómenos cósmicos dispõem do mesmo proceder, uma vez que os planetas e o Sol giram através de um círculo formado pelas constelações zodiacais. Cada dia, a abóbada celeste completa uma rotação em torno da nossa terra. De doze em doze anos, o planeta Júpiter regressa ao mesmo ponto do céu. Para alcançar a mesma estrela que deixou para trás no seu percurso, Saturno precisa de vinte e oito anos. Dois anos necessita Marte para fazer outro tanto.
   Enquanto Ferécides pronunciava estas palavras, a tarde avançava e as andorinhas começavam a apropriar-se do céu. O mestre encontrou a ocasião óptima para relembrar um velho texto poético que escreveu enquanto jovem, e acomodou-o aos seus comentários sobre a circularidade da vida.
   - No mês de Abril regressam as andorinhas. Com o seu ir e vir descrevem anéis cujo perímetro abrange o distante Sul e as nossas latitudes, anéis que enlaçam uma Primavera com a seguinte. Sim, a vida deleita-se expandindo-se ao longo das curvas sensuais que formam os sulcos invisíveis do universo. E tudo quer que cada movimento implique uma partida que não finaliza até regressar ao seu ponto de origem.
   O sol pensava já em retirar-se para a sua mansão subterrânea. Quando se dispuseram a empreender o caminho de regresso, o pastor já se afastava com o seu rebanho.
   - Já não formam um círculo à volta dele - advertiu Pitágoras com ironia!
   - Mas amanhã regressarão ao mesmo prado - respondeu Ferécides, impetuoso.

[...]
E um facto inquestionável é que nada, visto com suficiente distância, se move em linha recta, mas, finalmente, o que julgávamos ser rectilíneo é tão só um segmento de um imenso círculo.
[...]

in Pitágoras, o Filho do Silêncio, Benigno Morilla


Sem comentários:

Enviar um comentário